Por que os vagalumes são tão pequenos?
O vagalume talvez nasceu do desejo mais puro e ingênuo que já acometeu um ser: ser estrela. Na sua pequenez, tenta alçar a imensidão dos astros, a abóboda do céu, pelo voo, confuso e difícil. Tenta chegar a seus irmãos maiores, seus deuses, os vagalumes das galáxias. Tenta seguir o que seu minúsculo e frágil porém bravo coração lhe pede.
Por que os vagalumes são tão frágeis?
Mas há um ponto em que não se voa mais para cima. As asas do vagalume não são de anjos e, a ele, não foi dado o direito de sonhar com algo mais alto que um fio de capim. E, puxado pela vil gravidade dos astros-deuses, desce em trêmula e cortante espiral. Para cair no chão, morto. Porque os vagalumes são frágeis, feitos de pó de estrela soprado na alma de um inseto. Brilho e simplicidade. Nasceram para cair, mas não foram feitos para a dureza do chão. Antes de, sequer, pousarem as patinhas na terra, já estão mortos do desgosto de ver o sonho de ser Deus sumir na noite.
Contudo, de noite, em meio ao balé dos pequeninos, há como saber quem é estrela e quem é vagalume?
Eu lembro que tentamos, uma vez, pegar alguns para iluminar o nosso quarto, nossas mentes. E funcionou. Enquanto as estrelas brilhavam altivas para o mundo, os vagalumes brilhavam para o nosso mundo. Eram nossas humildes estrelas, eram eles quem nos faziam companhia.
Por que os vagalumes morrem tão rápido?
Então eu olhei para o pote de onde eles vieram e vi que havia muitos mortos. Do pânico da prisão. A verdade é que quando se captura uma estrela, se mata. Seu brilho é absorvido pelas paredes da cela, sobrando uma casca sem alma. Só os vagalumes mais insetos e menos estrelas sobreviveram. Só os vagalumes mais feios iluminavam agora o quarto, com a luz artificial dos fantasmas. E, para nós, bastava o espetáculo do grotesco. Nós havíamos matado o presente que a dama da noite permitiu somente ver e nunca tocar. E, agora, assistíamos perplexos ao funeral dos pequenos pirilampos. Maravilhados. Que tipo de monstro se maravilha com o choro sufocado dos invisíveis, com um funeral? Que tipo de diabo se apraz com o próprio funeral?
Afinal, que somos nós, senão os pirilampos que precisam saber que pertencem a algum lugar? Que precisam sentir que pertencem a alguém?
E fui sozinho, sob o julgo olhar da dama da noite, zangada com a morte de seus filhos. Dar-lhes um enterro digno levou-me ao lugar mais triste que eu já vi: o cemitério de vagalumes. Também conhecido como cemitério de sonhos, ou limbo. Um lugar na floresta qualquer, velado por estáticos pirilampos brancos. Mas não houve como sepultá-los. O vento levou seus leves cadáveres para o alto. Para os deuses. Teriam os seres-estrela finalmente virado estrelas? É necessário morrer para alcançar o sonho? Seria no cemitério de vagalumes, cemitério de sonhos, onde os sonhos nascem? Talvez o deus-vento tenha asas maiores que as dos anjos, onde caibam todas as almas vivas dos pirilampos.
Descobri, então, o porquê da tristeza do lugar. Dei-me conta de que lá não era tão somente o túmulo dos vagalumes, mas também meu. Eu, fraca e pouco-iluminada alguma forma de Deus vagalume preso nas mãos. Nas minhas próprias mãos.
- A ausência é decorrente de uma coisa que eu chamo de síndrome de fragmentação. Só vinham ideias fragmentadas, difíceis de conectar. Pra síndrome, muita leitura e filme. Um dos filmes que eu vi foi a inspiração-chave para esse texto. Chama-se "Túmulo de vagalumes", conta a história de dois irmãos na Hiroshima pós-bomba. É de chorar. A frase final é uma adaptação de um amigo meu. Espero que gostem do meu maior filho. Amanhã um mês de blog. Talvez haja um post de aniversário. Obrigado aos que leem, mesmo os que se escondem. Onde quer que vocês estejam, espero que esses textos signifiquem algo. Beijos e até a próxima!