sexta-feira, 24 de junho de 2011

Duas Gotas

            A água evapora e eu nunca mais a vejo. Você é como a água. Eu lembro que a água é três quartos de cada um de nós.
            Você evapora, mas não vira nuvem. Fica como vapor no espelho do banheiro onde desenhamos nomes e corações com os mesmos dedos com os quais desenhamos amor. O vapor que sai de dentro de mim em dias gelados. Você não vira nuvem, não vai para o céu, onde Deus possa soprar-te até perder de vista na curva do mundo. E, mesmo que virasse, você não voltaria com os Elíseos e cairia como chuva. Você tocaria a minha pele como neve.
            A água evapora e se torna ar, como o seu coração. Eu sinto o ar ao meu redor. Passa por dentro das minhas roupas, me olha os olhos, entra e sai de mim, ora calmo, ora violento, me balança e me deixa a vê-lo invisível. Escuto o som do ar, que bate em pulsos.
            A água congela e nunca mais é gentil. Você é como a água. Abre a porta para o inverno, que se põe entre nós dois. Transparente, nada se esconde em você. Ou você é, ou quebra. Quando te toco, você me rouba a vida aos poucos e me alivia. Se me envolve, me matará. Quando te olho, é como se visse ao contrário. Ver de fora dos olhos. Quando te ponho à boca, nos unimos e você não mais existe senão dentro de mim.
            A prisão é feita de gelo, mas derrete com a primavera.

            A água da vida. Você é quem me afoga.
            Então eu vejo que a água é o reflexo mais sincero do mundo.
            A vida da água. Eu me afogo em você.

- Agradecimentos à Yoko Ono que entrou na minha vida de forma completamente inesperada e surpreendente. Esse texto é todo ela. Espero que não liguem, estou numa fase de projeção, de receptor. Você, você, você... quem?