terça-feira, 15 de março de 2011

A partida

         Eu nunca paro. Eu nunca parto. Eu sempre fico, sempre ficam em mim. E fica em mim o revés da vontade de não realizar, de não ser real.
            Se eu não posso ser a lua que alta vive e brilha inteira em todos os lagos e todos os olhos, então que eu me faça uma fagulha de alma que ilumina os poços de lama seca e os bueiros. E que eu viva baixo, aos olhos dos homens e das pedras.
            Nas mãos, o silêncio visceral das palavras que não falam e, na cabeça, o silêncio etéreo do tempo. Suspira no ar silencioso um único barulho, o da tinta cortando esta página, tatuando um verbo em lugares inexplorados.
            E é com a garganta presa em grito e os braços preso em carne desabraçada que eu bato os sete cantos do meu ser, minha prisão. Quebro todas as janelas, todos os vidros, os metais e as existências manequíticas. E nunca saio. Me visto de mim diante do buraco de liberdade que se abriu em todo o meu redor. E nunca saio, tenho medo de pular de dentro do vácuo para fora de si, no interior de algo que tenha conteúdo e se mensure por si só. Pois tudo aqui dentro foi comprimido e empurrado para o avesso de fora da essência e o vácuo completa as lacunas com uma eficiência tão intangível quanto única.
            Tenho medo de cruzar a moldura, passar sobre o abismo rumo à estrela. É que nunca sei se o céu é negro o suficiente para vermos os astros e se temos o bastante deles para sonhar. E, ao mesmo tempo em que os cacos voam para onde moram o fogo e as sombras, eu queria que tudo pudesse dispor de um pouco de nada para ser, enfim, completo.
            Não registro a partida. Não vejo beleza. Tenho medo.

            Onde eu faço a minha casa é onde a minha casa é. E nenhuma casa me trará tanta saudade quanto você, que foi minha sala, meu quarto, minha cama, meus lençóis finos – sem deixar de ser meu teto e meu chão e, ainda assim, sem alturas e profundidades quando para sonhar e para viver o sonho.
            Hoje eu te amo, mas eu não te quero mais. Eu quero o seu ser, eu quero ser você, abrir mão de mim, te sentir vivendo em cada eu que existe. E, se eu sou uma mistura pálida de tudo o que você ama com uma pitada de seus ódios, por que você ainda não é inteiro em mim?

            Não registro a partida.
            Assim dou adeus a minha casa para, então, voltar a um não-sei casa ou olho-da-rua, mas certo de que um pedaço de mim seguramente está em casa. E é essa certeza que me deixa em pé, batendo portas à procura de mais um lar.

- Não estou bem (pelo menos não como escritor). Não tenho sentido e é difícil escrever quando não se sente (daí a demora). Esse texto já tem uma certa idade, então talvez se faça menos compreensível pra mim do que pra vocês. Mas não pode ser ignorado, é importante e marca a última coisa que senti nos últimos dias: saudade. Espero não demorar a voltar a escrever para mim e para vocês, mas não é algo que eu sou capaz de controlar.