sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

O (novo) ano (novo)


         Nada é novo no ano novo. A meia-noite é a mesma, os fogos de artifício contêm o mesmo vermelho-lítio artificial e sonolento. O champanhe continua amargo, amarelado como os sorrisos dos presentes. Rituais falhos e dotados de nada.
         Festa? Tenho medo do amanhecer novo. Do mundo novo do ano que, nos planos, era novo. Cheio de coisas recicladas – e recicláveis. As datas são as mesmas, os aniversários são os mesmos, tem sempre alguém que morre, alguém que casa. Ano velho que rege as mesmas pessoas velhas. Temo a falsa esperança (e, ao mesmo tempo, a falta de esperança) que banha os mesmos dias novos do ano passado. Que é o ano novo senão o ano velho mais um?
         Não. Não deve.
         O ano novo não deve ser novo por trazer um número novo, novas numerologias, novos horóscopos. O ano deve ser novo por nos trazer tempo, mais tempo (tempo novo?), esse sim o nosso maior tesouro.
         Ano novo deveria se chamar mudança. Ele não deveria esperar até a noite de 31 de dezembro para acontecer. Dorme em cada um de nós. Pode acordar dia 30 de maio, 14 de agosto. Pode demorar dez, cem anos para acordar. Pode acordar a cada cinco dias, pode morrer dormindo.
         Não façamos do ano novo um olhar da lenta marcha verde do mudar das estações. Que ele seja branco, não só da paz e sim das coisas que esperam ser feitas – e por que não escritas? E nos preparemos para o fatídico dia onde 365 dias passam em 24h. Haja champanhe para sermos capazes de agüentar!
         Assim, não vos desejo um feliz ano novo, mas um novo ano novo.

- Não tem jeito de dizer "hoje eu não escrevo". Saiu e, se dá vontade de postar, se posta. Visivelmente inspirado no poema de ano novo de Drummond que eu esqueci o nome, lição não de ano novo, mas de vida. Façam da vida de vocês mudança. E vivam (viva) o ano novo.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Tédio de bronze

         Acordei sob o manto leitoso da Via Láctea, que punha seus filhos mais novos para dormir, deixando o mais velho a brilhar bucólica e pasteurizadamente o dia.
         E percebo que, naquele dia, o tempo havia pintado uma data em hieróglifos jazentes debaixo das cobertas dos espaços – rasos. Havia pintado um aniversário de alguém, irreconhecível e estupefante.
         A especialidade que deixamos morrer no comum dos atos e fatos falhos (ou não). Filhos do tempo que, para nós, parou ontem. Sem dar sinais, sem avisar, parou quando mais queríamos que corresse. Parou sem avisar ao relógio, que tiquetaqueia estupidamente atrás de mim. Parou sem avisar ao Sol, que desvela sua mão cremosa por detrás dos montes. Parou sem avisar aos astros, que foram dormir quando ainda é noite. Parou sem avisar a você, que foi viver. O tempo só avisou a mim, que morri esquálido e sufocado, espremido entre uma fenda de segundo sobre a minha cama.
         Um segundo de bronze. Não o bronze dos guerreiros do Peloponeso. Um segundo de bronze de sépia.
         Bronze dos álbuns envelhecidos. Do barro das casas lendárias da Galiléia.
         Bronze do nascer do sol quente das manhãs sem vida de domingo.
         Uma memória vazia de lembranças e esquecimentos, livre de pensamentos e sentir.

- E eu achava que não escreveria nada até o fim do ano. Achei entre os segundos infrutíferos de domingo um livro de Quintana, que logo tratei de devorar ali mesmo e que muito me inspirou para escrever esse texto. Deu-me outras dimensões. Se eu soubesse quem Quintana houvera sido... Quem não o conhece, conheça-o. Deem-lhe uma chance. Eu não me arrependi. E feliz ano novo (de novo).

domingo, 26 de dezembro de 2010

Regra dos terços



Nossas fotos jamais foram perfeitas, mas eram as mais bonitas. A perspectiva, acidental e convenientemente desproporcional, as cores, erradas e combinavam, o foco, que sempre desajustava na captura da máquina, embaçando o que havia de mais feio na cena e primando os seus olhos. Ah, os seus olhos castanhos, eles nunca estavam nos pontos de ouro e sim sempre um pouco acima, onde o que estava na frente da câmera poderia ver o que se encontrava atrás dela.

Mais tímido do que você, só eu, que jamais aparecia sozinho no enquadro. Você não queria registros, apesar de eu sempre conseguir desviar sua atenção da câmera com sorvete – você adorava os de chocolate – criando, assim, as suas fotos mais espontâneas. Ou desviava sua atenção comigo mesmo, capturando os nossos momentos – e movimentos – espontâneos (isso quando eu não perdia o foco).
Parei de seguir a regra dos terços quando te conheci. Não havia regras. Não era mais um terço para isso ou aquilo. Era tudo, era inteiro, inteiramente entregue – ao acaso, no caso. Não havia o jogo da velha que divide a imagem. Não havia jogos. Nem divisões. Os terços brigavam pela beleza de cada pedaço nosso.
Finalidade de trocar as lentes não havia. Todas elas nos enxergavam da mesma forma. A câmera atrasava o temporizador em mil segundos a fim de contemplar melhor aquele instante. E, se o tripé pudesse andar, correria para o centro da imagem. Só queria que a função para baixas iluminações não funcionasse. Às vezes, eu e você desejávamos o escuro –
- Sozinhos.
Hoje eu caminho pela sala e vejo o único retrato que sobrou, curiosamente o único retrato meu. Eu nunca deixava você mexer na minha máquina. E eu não sei até hoje onde você aprendeu a tirar fotos. O enquadramento está perfeito, o foco funcionou, a perspectiva foi bem observada enquanto as cores fluem harmônicas. Você foi fiel – pela primeira vez – à regra dos terços. Perfeito. Mas está feia. Fria. O sorvete havia derretido. Meus olhos, que nunca foram atores, não enganavam, não sabiam ser felizes. E, prestando bastante atenção, é possível notar tremor ao longo da minha silhueta. Eu me mexi – como se quisesse fugir daquele lugar, daquele tempo.  Desconheço o porquê de manter a foto no centro da casa, tal qual altar. Talvez sirva de manual de fotografia. Talvez seja manual do que não deve ser (feito).
É, você fora meticulosamente profissional.
Eu fui somente amador.
- Com muito sofrimento é que sai o segundo filho-texto. Semana corridíssima de festas de fim de ano e, pra piorar, longe do aconchego do lar, ao vivo de uma lanhouse arcaica. Esse texto começou com um propósito e terminou com outro completamente diferente, mas que me agradou (do contrário, nem estaria aqui).   Falar de uma paixão minha como a fotografia foi um fácil prazer. Espero que vocês  sejam apreciadores de tal prazer assim como eu e usem-no para registrar essa bela  (e  triste) época que é o fim de ano. Boas festas e feliz 2011 para todos!



quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Pensando no escuro com luz fraca na mão


         Noite cinza, noite calada. Noite insone como tantas outras. As palavras jorram cascata afiada, sangram o papel com uma felicidade inquietante. A fraca luz vinda do mundo de fora projeta, através da janela, na parede acima de minha cabeça, sombras que simulam as barras de uma cela de cadeia. Análise pérfida das malditas luzes, que mais uma vez acertam: prisão de alguém, de você, de mim mesmo, deles, de quem? Quero negociar a pena, a liberdade condicional, não. Antes quero saber como vim parar aqui.
         Revoltado com coisa irrelembrável – coisa nenhuma –, meu transe noturno é interrompido por palavras longínquas. Frias, cronometradas, mas luz que irrompe a umbra com certa dose mínima de carinho. Com “inho” mesmo, recurso basilar a fim de adicionar infantil doçura à verbalização. Eu me lembro de nós com planos e sonhos. Hoje a concha é sua única amiga, sai dela apenas quando provocado e para pinçar o provocador. Penoso crustacídeo fadado à solidão da pedra preta dos arrecifes e à agressividade das ondas selvagens. Digno da roda do Carma pela infindabilidade dos erros e vontade tétrica de piorar. Julgar não parece adequado, mas o cansaço e a tristeza tornam a razão tão míope quanto os olhos cerrados que se esforçam para ler as pequenas e rasas letras no sujo bloco de notas.
         Dizem que um bom escritor é feito de sangue. Vejo isso como sendo a única explicação razoável para essa sua penitência constante, autoflagelação sado-masoquista. Também pode explicar o porquê dessa saída em massa de tantas páginas nessa noite, agora, de poucas nuvens e lua nova. O que se há para olhar numa noite frígida de beleza como essa, se a luz trêmula da cidade não permite alcançar as estrelas com os olhos? Se nem o céu inspira, então é chegado o ponto sem retorno. E como ninguém retornou para contar o que se deve fazer ao chegar nele... Sinto-me náufrago. Sensação bastante familiar.
         Os fantasmas sussurram ao ouvido, tentam instruir, mas o ser está tão surdo do egoísmo no volume máximo que não há, sequer, canal fático.
         A luz acabou. É nessas horas que eu gostaria da companhia de um abajour.

         - E, com vocês, meu primeiro filho texto. Nasceu de uma noite até meio engraçada... Não havia nada que me tirasse o sono, a não ser a vontade de escrever. Não sei o que me deu, mesmo, quem sabe foi o bloquinho que não parou quieto. Nunca fui de escrever esse tipo de texto e, agora, quem olha pra mim pensa que eu escrevo há anos. Se tornou mais que um hobby de férias, um vício. Bem, compartilharei desse vício com vocês, leitores e espero que vocês apreciem. Amanhã viajo, mas, como estou com uma certa margem de folga no que concerne a número de textos, bem... Vocês devem contar com mais um ou dois nesse fim de ano. Comentem, comentar é sempre bom, não sejam tímidos! Já falei mais do que eu queria... Au revoir!