domingo, 22 de maio de 2011

Ode ao guardador de rebanhos

            E, como num susto cansado qualquer, eu acordei. Exausto de sono, vi que o sono precisa de algumas horas de vida para cumprir seu nome. É engraçado ver como, de fato, essa dependência entre opostos existe e funciona. Por que Deus haveria de criar opostos? Era como se previsse o conflito, como se o conflito sustentasse o Universo. Se isso fosse verdade, o caos faz a ordem das coisas e, no dia em que só houver ordem, não haverá caos, não haverá ordem, não haverá coisas e, sem coisas, ninguém acreditará num deus caótico ou em deus algum, que também não haverá. Era isso: Ele nos pôs em conflito para sustentar a Sua existência, pois, se não há nada a saber que ele existe, como Ele poderia existir e para quê existiria? Deus é tão frágil quanto uma borboleta, se erra o caos do seu bater de asas, cai; e é menor que o vazio que Ele criou para ter onde bater Suas asas.
            Então me lembrei do guardador, que dizia que o sentido íntimo das coisas era não ter sentido íntimo algum. Vi que colocava os pés por debaixo das cobertas como se houvesse frio, sem haver qualquer um. Vi que deitava tal qual feto, sem querer, só o fazia, sem pretensão de voltar ao útero de minha progenitora. Vi que tinha uma borboleta aos dedos e, maravilhado, perdi o encanto, pois nada mais era do que um inseto em mim. E tentava entender as borboletas como quem tenta entender Deus e tentava entender Deus como quem tenta entender as borboletas e si próprio. E vi que pensava sem ver que nada havia para pensar e que ver sem pensar era viver. Vi que perdi minha vida ao pensar sobre a vida e sobre outras coisas que eu não via. E, assim, mantinha o bater de asas de Deus, que nada queria ao criar as coisas senão dar a ilusão de que elas eram mais do que coisas, assim criando o conflito entre ilusão e realidade, que nada mais é do que seu grande coração azul e divino.
            Não.
            Não havia nada disso. As coisas criaram a si próprias e assim tem de ser por que assim é. E se Deus existisse e tivesse coração, seríamos todos feitos de sangue. Eu e a Natureza, irmãos de sangue.
            O guardador, que me põe para dormir da vida. Não. O guardador não o faz porque Ele só existe nos meus livros e na minha vontade, que nada mais é senão nada.

- Acho que passo pela pior brainstorm da minha vida, mas não ligo, estranhamente. É bom parar e contemplar. Enfim, depois de ler muito sobre o guardador de rebanhos, eis que eu entendi o que ele queria dizer quando não dizia nada. Não sei se esse texto me é fiel por inteiro, mas, decerto, é fiel a alguns momentos meus. Espero que vocês tenham paciência e me entendam não como uma máquina de escrever, mas alguém que escreve quando julga necessário, assim como eu os entendo como pessoas que leem quando necessário.